Vamos buscar mais à Deus

A MENTE DE CRISTO


Claiton Ivan Pommerening

As atitudes de qualquer pessoa revelam seu estado mental; por mais que alguém tente disfarçar o mal, em algum momento ele aparecerá. Ter a mente de Cristo é desenvolver os mesmos pensamentos e atitudes que Ele teve. Não se trata apenas de uma aquiescência mental ou desejo esporádico, mas de um estilo de vida, de uma reordenação dos pensamentos, das vontades, dos desejos e das atitudes, no sentido de refletirem a pessoa de Cristo: “Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13.15).Organizar a vida em torno desse modelo de Cristo é desenvolver empatia e compaixão para com todos os que sofrem e necessitam da misericórdia divina, mesmo para com os inimigos e opositores. Essa atitude não é fácil, mas Jesus agiu assim com aqueles que se levantaram contra Ele quando bradou na cruz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34).

Jesus usou sua autoridade para abençoar as pessoas, não para ser servido (Mt 20.28). Sua autoridade era a exsousia, no sentido de alargar e ampliar as possibilidades humanas, e era exercida para beneficiar as pessoas, e não para prevalecer, disputar ou subjugá-las. Seu poder era exercido a favor das pessoas, alargando suas possibilidades de ser e de atuar. Essa forma de poder e autoridade é uma das mais usadas no Novo Testamento e aparece 108 vezes. Já o sentido do verbo kratós, como poder e dominação exercidos pela força, no sentido físico ou por imposição moral, nunca é atribuído a Jesus, e Ele argumenta contra o seu uso (Mc 10.41-43).

A chave hermenêutica para compreender a mente de Cristo nos evangelhos é aprender a observar delicadamente as atitudes, palavras e milagres de Jesus como gestos de cura, perdão e acolhimento, e não somente sob a ótica de moralismos ou religiosidades; não que isso não esteja presente porque também são necessárias. No contexto em que Paulo define que devemos ter a mente de Cristo, ele afirma que “o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido” (1 Co 2.14-15). Significa que, para ter a mente de Cristo, é necessária essa hermenêutica do Espírito Santo, que abre os olhos às realidades antes não percebidas.

Assim, Ele deseja ver as pessoas livres de regras religiosas que tiram a vida (Mc 2.27); o coração deve estar livre de ídolos, pois acabamos nos tornando exatamente como os ídolos que veneramos (Lc 12.34). Jesus é capaz de gestos carinhosos para curar (Lc 4.39). Ele chamou o homem da mão mirrada para o meio, ensinando que quem quer fugir de seus problemas precisa aprender a encará-los (Mc 3.4-5). Os sobrecarregados pelos fardos da vida são chamados a olharem (prosphonein – falar olho no olho) para Jesus e andarem eretos (Lc 13.10-13). Prova disso foi quando Ele defrontou-se com o paralítico no tanque de Betesda e perguntou-lhe: “queres ficar são?”. Cristo quer libertar-nos de comodismos, medos e do aparente benefício que o sofrimento pode trazer (Jo 5.5-9); o contato com Deus isenta-nos da contaminação, mesmo quando precisamos tocar nas enfermidades das pessoas (Mc 1.40-42). Na cura dos dez leprosos, Jesus quer que percebamos o extraordinário da transformação cotidiana mesmo fazendo o que é ordinário, além de ensinar-nos a sermos gratos pelo ordinário, ainda que seja difícil cumprir certas liturgias engessadas e costumes ultrapassados (Lc 17.11-16); descobrir quem de fato ocupa o coração humano, porque quem não sabe quem é perdeu a sua identidade, e esta precisa ser restaurada (Mc 5.68). A pergunta de Jesus ao cego Bartimeu (“que queres que te faça?”) instiga-o a largar o manto, que servia de máscara na qual se escondia. A pergunta de Jesus fez com que o cego entrasse em contato consigo mesmo e com o anseio mais profundo da sua alma (Mc 10.49-51). Jesus, em outro momento, separa o surdo-mudo da multidão, num gesto de respeito à individualidade e intimidade, e dá atenção especial num espaço protegido dos críticos e censuradores. Jesus, então, cospe e coloca um pouco de saliva na língua do homem, mas Ele percebe a impossibilidade de aquele surdo-mudo expressar-se. Jesus dá um suspiro abrindo o seu coração em luta por ele (Mc 7.32.35). Em outra ocasião, Ele toma outro cego pela mão e leva-o para longe do povo. Num espaço de confiança e individualidade, toca nos olhos de forma espantosa (saliva), porém carinhosa; depois lhe impõe as mãos e envia-o para sua casa — a casa do pai, onde é o nosso lugar, pois a cegueira pode impedir-nos de ir para casa (Mc 8.23-26). Enfim, nas inúmeras atitudes de Jesus, vimos seu desejo de servir e cuidar.

Não é um método específico que traz a solução, mas o encontro, o relacionamento, a sensibilidade para com cada um. Além dos gestos vistos anteriormente, Jesus utilizou-se do poder das palavras que curam e trazem vida. Através delas, Ele perdoou pecados, trouxe novas possibilidades de vida, apontou novos rumos e caminhos antes desconhecidos, consolou os que sofriam as mais terríveis dores da vida, trouxe esperança aos desalentados e espalhou uma cultura de amor.

Essas atitudes e palavras de Jesus, que também devem estar presentes na vida do cristão, é o que Paulo chama de homem espiritual em seu texto, aquele que entende as coisas do Espírito e sabe discerni-las bem, que não mede a si nem aos outros com as medidas do mundo, nem cogita das coisas do mundo, porque elas invertem a lógica do Reino de Deus, “porque o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm 14.17).

“Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2.14).

Comentários